"... o vento leva, palavras o vento traz. Quantas histórias sobre o vento, que leva as palavras e traz os suspiros.
Um dia ouvi uma história interessante, daquelas que passam de geração em geração, que permanecem na memória dos homens. Como diz o povo 'quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto', daí que, decidi acrescentar também um ponto, o meu ponto.
Aí vai a historinha: ' Um dia, Caio, um menino triste, estava sentado a ouvir o vento. Era o sítio para onde sempre ia quando se sentia mais triste. Na sua curta vida já tivera mais dias tristes que com alegria. Nascera num dia de vento e, o deus vento reclamou-o. A sua mãe pediu para ficar com ele algum tempo, afinal tinha sido uma criança tão desejada durante tanto tempo. O deus vento acadeu às lágrimas da mãe e não o levou.
Os dias foram passando, Caio foi crescendo com a tristeza dos olhos da mãe no seu coração. Foi crescendo com o silêncio do pai que lhe enchia a alma de um ruído melancólico. Foi crescendo com o olhar de pena dos amigos, dos vizinhos, de todos os que conheciam a sua história que o impedia de brincar e rir, como só uma criança sabe fazer.
Os dias passaram, as luas sucederam-se uma após outra, o sol levantou-se e desapareceu trazendo as estações. As estrelas brilharam e apagaram-se a cada aurora e, em cada novo amanhecer escutava. Escutava a brisa mansa da Primavera e sabia que ela não o levaria. Amanhecia durante o Verão, um pouco menos triste pois o vento tinha ido para outras paragens, soprar para bem longe e poderia passá-lo descansado. Acordava a meio da noite quando o Outono chegava. O vento aparecia também e, trazia-lhe o medo que crescia ao ouvir o uivo que aumentava com o amanhecer. Quando chegava o Inverno branco, um após outro nos seu poucos anos, o medo não adormecia e, fazia uma prece de criança agradecida ao deus das neves, pela acalmia dos dias ensolarados e brilhantes. Até que, no último Inverno deixou de ter medo. A deusa da morte veio buscar a mãe. Tinha-a visto definhar dia após dia, afundar-se na tristeza e chorar até que as lágrimas secaram por não haver mais. Já nada importava.
O vento chegou. Sentiu-o e levantou-se para lhe falar. Queria perguntar-lhe porquê ele, quando tantos nascem em dias de vento. Queria saber porque o escolhera quando era tão igual a tantos meninos. Essa perguntas fez e não obteve resposta. Apenas se sentiu levantado, levado nas asas do deus vento, embalado e estranhamente protegido. Poisou no mundo do fim do mundo, na terra do vento, das brisas, dos furacões. Era a terra que nunca ninguém vira ou pisara. A terra dos ocasos vermelhos de sangue, a côr da saudade do coração da Terra quando se despede do seu amado Sol. Foi também lá que viu as auroras mais brilhantes que se possam imaginar. Resplandeciam a luz da alegria da alma da Terra pelo reencontro esperado desde o último poente.
Olhou para além do horizonte sem nada ver e, gritou com a esperança que o ouvissem e esperou. Nada aconteceu e sentou-se como muitas vezes fazia, à espera que o vento chegasse.
O sol começou a apagar a sua luz, lentamente, como todos os fins de dia. Vieram as estrelas numa noite em que a lua estava longe, do outro lado. Instalaram-se nos sítios do costume, nada ficava ao acaso. Não tinha sono, estava estranhamente desperto. Também não sentia fome ou sede, era como se fosse apenas a imagem de si. Por momentos lembrou-se das histórias de fantasmas e pensou que já fosse um deles. Com estas cogitações, ficou sentado, imóvel até ao amanhecer. Viu as estrelas brilhar, uma ou outra cair e deixar um rasto brilhante, o 'pó das estrelas' como lhe ouviu chamar algumas vezes. Imaginou-as a dançar e as suas conversas, mentalmente fez uma história e, ouviu-as rir.
Reparou de repente que a aurora estava a chegar, de mansinho para não assustar as estrelas e, com ela veio o Vento. Ganhou coragem, levantou-se e gritou: - "Deixa-me ir embora, leva-me de volta, não precisas de mim!"
Para seu espanto o vento parou à sua beira, fez-se brisa e disse baixinho, num sussurro: - "Se me prometeres voar comigo de vez em quando, falar para mim e contar-me histórias, eu levo-te sim."
Caio sorriu pela primeira vez em muito tempo, estendeu os braços e sentiu-se novamente levantado, abraçado e embalado. Deu-se conta de estar no seu sítio, aquele para onde ia sempre que a tristeza era maior, mais profunda e sufocante. Deu-se conta também que estava tudo diferente. Algo estava como muito antes de ter partido, apenas não sabia o quê. Era o seu sexto sentido de criança, aquele que vem de um coração puro.
Levantou-se e caminhou para a aldeia. A casa estava diferente do dia em que tinha partido mas, igual a antes da sua Mãe partir. As portadas das janelas abertas, flores nos canteiros, um som de alegria que nunca tinha ouvido, um cheiro de violetas no ar esse que jamais apagara da memória: o cheiro da sua Mãe!!!! Entrou em casa e parou de repente sem acreditar no que via. Sonho ou realidade? Era belo demais o que presenciava. Parou e conseguiu dizer: - "Mãe?"
Ela estendeu os braços onde se aninhou e a olhou. Não havia tristeza nem traços de lágrimas. Havia um sorriso doce que nunca vira, uma calma abençoada que nunca tinha sentido.Ela contou-lhe que o Vento a fôra buscar para lá das estrelas. Para lá do fim do Universo ao lugar para onde a deusa da Morte levava os que morreram de tristeza, de amor e de saudade. Esses continuam os seus lamentos eternamente e, os seus foram de tal forma veementes que o comoveram, adoçando-o e mostrando-lhe o que é amar. Resolveu ir buscá-la para o seu menino triste e tão querido.
Caio continua a voar com o Vento, o seu irmão, amigo e confidente. Um dia, sabe-o, sê-lo-á ele próprio. Até lá, continua a mandar-lhe recados pelas auroras dos Invernos, pelos ocasos dos Outonos pelas brisas mornas e aromáticas das Primaveras e, pelos remoínhos brincalhões dos dias quentes de Verão. Senta-se no seu sítio, para onde vai com o coração alegre e, passa infindáveis momentos a inventar histórias e a ouvir o seu amigo Vento. Ele fala-lhe de outras paragens, de pessoas diferentes. Descreve~lhe lugares onde as cores do arco-íris são mais brilhantes, onde as montanhas são altas a perder de vista e sempre cobertas de neve. De terras onde o Sol é soberano e queima, onde os seres que as habitam só saiem quando ele se despede. Ouve-o com atenção e, continua a ser feliz e placidamente à espera do dia de partir."